Última Noite em Calcutá

Ainda noite. O velho relógio Tiquetaqueia,
duas e meia. Um toque de grilos
acordados no tecto. O portão está trancado
na rua lá fora - adormecidos, bigodes,
nudez, mas nenhum desejo. Alguns mosquitos
despertam a comichão, o ventilador roda lentamente -
um carro troveja no asfalto preto,
um touro bufa, algo é esperado -
O tempo permanece sólido nas quatro paredes amarelas.
Ninguém está aqui, o vazio cheio de assobios de trem e latidos de cão, respondeu a um quarteirão de distância.
Pushkin senta-se na estante, as obras completas de Shakespeare, bem como as não lidas de Blake -
Ó Espírito da Poesia, não adianta chamar-te
balbuciando neste vazio mobiliado com camas
sob o espelho oval brilhante - noite perfeita 
para que os que dormem se dissipem na tranquila
escuridão, e descansem aí oito horas
- Acordar com os dedos manchados, a boca amarga
e o pulmão agarrado pela fome de cigarro,
o que fazer com este dedo, este braço
este olho do faminto esqueleto - ferida do cavalo eléctrico aquecido em Calcutá, na
Eternidade - suor e dentes apodrecendo -
Rilke pelo menos poderia sonhar com amantes,
a velha excitação dos seios e a barriga trémula,
É isso?  E o vasto espaço estrelado -
Se o cérebro muda, a matéria respira
com medo de regresso ao homem - Mas agora
a grande queda de edifícios e planetas
quebra as paredes da linguagem e afoga-se
para sempre sob o peso do Ganges.
Nenhuma fuga, mas através da morte de Banguecoque e Nova York.
A pele é suficiente para ser pele, é tudo o que poderia sempre ser, embora o grito de dor nos rins
o faça adoecer de si mesmo, um sonho ondulado
morrendo na vontade de acabar com a sua famosa miséria
- Deixa a imortalidade para que outro sofra como um tolo,
não fiques preso no canto do universo
a enterrar morfina no braço e comer carne.




Planet News: to Europe and Asia (1961-1963)
Collected Poems 1947-1997
© 2006 Allen Ginsberg Trust
(HarperCollins Publishers e-books)
Versão Portuguesa © Luísa Vinuesa  

Outros poemas

Ah Guerra

Lamento do Esqueleto ao Tempo

Carta Revolucionária #93

Uma Rosa Imaginária num Livro

A Voz do Rock

Ode ao Fracasso

Universos Imaginários

Ao Corpo

Conforme a Yeats

Atrás de Almas Mortas